OS FILHOS DA NOITE, de Dennis Lehane
“Todos nós acreditamos em mentiras que nos proporcionam mais conforto que a verdade.”
Joe Coughlin é um fora da Lei, teve toda a sua vida virada de ponta cabeça quando cruzou o caminho da elegante Emma Gould. A narrativa do livro parte de uma cena com o protagonista amarrado e com os pés numa banheira de cimento, dentro de um rebocador, pronto para ser atirado ao mar. É quando o autor nos coloca à par do que aconteceu antes, voltando lá atrás. São os anos de 1926, a Lei Seca foi instaurada e proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas, consequentemente dando origem a vários bares e destilarias clandestinas, com participação de policiais corruptos e gângsteres armados até os dentes.
Joe é filho do capitão da polícia de Boston, mas cresceu sob uma infância repleta de roubos e vandalismos, que consequentemente o tornaram um fora da lei, trabalhando a mando de mafiosos poderosos e temíveis. Durante um assalto contra um bar clandestino de um inimigo de seu patrão, Joe acaba conhecendo Emma Gould, a mulher que seria a responsável por muito derramamento de sangue em sua vida. Emma era amante de Albert White, um mafioso rival e que não poupa violência contra seus adversários, fato este que não faz com que Joe deixe de se envolver com a moça intimamente, mesmo sob protestos de seus parceiros de crime. Esta relação, inicialmente louca e apaixonante, muda o destino de Joe de forma irreversível, mas que de alguma forma, lhe servirá de base para seu crescimento intelectual e a aprender duas lições: podem existir níveis de criminalidade que até mesmo um fora da lei não ousaria ultrapassar e que as escolhas erradas que fazemos têm consequências destruidoras.
“Ele queria tudo o que dizia respeito a Emma Gould; queria no café da manhã, no almoço, no jantar e no lanche. Queria pelo resto da vida — as sardas em suas clavículas e no osso do nariz, a reverberação que sobrava em sua garganta quando ela terminava de rir, o jeito como ela conseguia transformar em duas sílabas a palavra quatro, four, que na realidade só tinha uma.”
Histórias que se passam em prisões são sempre banhadas de horror e tensão. As barbaridades que se cometem dentro desses muros são indescritíveis e beiram a bestialidade humana. É completamente difícil para um novato, que tem de fazer as vontades de seus companheiros de cela e viver cada dia sem dormir e andar sempre atento pelos pátios, correndo o risco de a qualquer momento ser apunhalado sem qualquer motivo, isso para não citar outras barbaridades muito piores. Por mais que um personagem mereça a pena que está cumprindo, não tem como não torcer para que ele se saia bem e cumpra os anos definidos pela justiça sem ter um membro arrancado pelos outros detentos, que não tem nenhum resquício de humanidade na hora de cometer mais crimes dentro da própria penitenciária, comprando policiais e carcereiros, prometendo-lhes dinheiro e benefícios do lado de fora, para ganhar privilégios lá dentro. Quem não pode cobrir essas ofertas, está perdido.
“As pessoas não consertam umas às outras, Joseph. E elas nunca se transformam em nada a não ser no que sempre foram.”
De Boston ao Bairro latino de Tampa, Joe terá uma jornada regada a traições, traficantes, femmes fatales, amizades, amor verdadeiro e, acima de tudo isso, inimigos implacáveis e muito sangue. Um livro Noir digno de aplausos e com tudo que se espera de um talentoso Dennis Lehane. Minha única crítica vai para a extensão do livro, que é dividido em partes muito longas em sua parte central. Acho que se tivesse sido divido em série, ficaria menos cansativo de acompanhar. Devido a isso acabei demorando o mês inteiro apenas nesta leitura. Os capítulos finais voltam a ser ágeis e terminam como uma bomba! Para todos os fãs de dramas policiais, Lehane nos presenteia com uma história tocante e magnífica, onde iremos torcer por um fora da lei, tamanho seu carisma.
“Joe pensou, não pela primeira vez, que para um negócio tão violento aquele contava com um número surpreendente de homens normais — homens que amavam as esposas, que levavam os filhos para passear no sábado à tarde, homens que consertavam seus carros, contavam piadas na lanchonete do bairro, preocupavam-se com o que suas mães pensavam sobre eles e iam à igreja pedir o perdão de Deus por todas as coisas terríveis que tinham de entregar a César de modo a pôr comida na mesa.”
Este livro foi adaptado em 2016 pelo ator e diretor Bem Affleck, traduzido aqui no Brasil como “A Lei da Noite”, mas que não conseguiu transmitir fidelidade à obra. Sendo um livro longo, o filme deixa a desejar por ser muito corrido e retirar partes importantes, como o período que Joe passa na prisão, que é um dos momentos mais marcantes do livro, só para citar um deles. Mesmo sabendo que filmes adaptados têm esse costume de adequar certas narrativas para ficar melhor explicado no cinema, perderam a oportunidade de aprofundar a construção do personagem principal.
Oi Charles,
ResponderExcluiramei a resenha, parece ser um livro envolvente. Gosto de histórias de gângsters mas nunca li um livro sobre, só filmes. Inclusive, já assisti esse filme e gostei, mas como você disse adaptações costumam resumir muito, ou seja, imagino que o livro deve ter um conteúdo mais rico e repleto de detalhes. É realmente cansativo quando a história apresenta um texto mais arrastado, porque acabamos enrolando com a leitura. Mas que bom que no fim a leitura fica mais dinâmica.
òtima resenha!
Bjokas da Elo!
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